sexta-feira, junho 30, 2006

A importância da sinceridade e da honestidade nas relações amorosas

Dentro da lógica que apresentei no post anterior, gostaria de lançar o debate sobre a importância da sinceridade e da honestidade nas relações e conquistas amorosas.

Quando penso numa ética das relações amorosas, uma das primeiras ideias que me ocorre é a importância da sinceridade das pessoas consigo próprias e face ao companheiro(a).

A sinceridade e a honestidade são conceitos muito amplos e difíceis de definir e enquadrar. Um dos meus autores preferidos, Wilfred Bion, diz num dos seus livros. “Verdade sem amor é crueldade e amor sem verdade é hipocrisia”.

Quais são os limites da sinceridade e da honestidade?

A máxima “verdade a qualquer preço” poderá ser aplicada com rigor nas relações amorosas? Dizer à namorada “hoje estás horrível!” só porque é verdade ou pelo menos é a verdade que se percepciona nesse momento, é bom? É bom para quem? Para a pessoa que ouve? Para a pessoa que diz? Para a relação? Nesta situação, dever-se-ia mentir? Dever-se-ia omitir?

quinta-feira, junho 29, 2006

Para uma teoria da ética nas relações amorosas

Como facilmente compreenderão, na minha profissão deparo-me frequentemente com questões muito complexas relacionadas com as relações amorosas. As relações amorosas (ou a ausência delas) são geradoras de enorme prazer e/ou sofrimento. Cada caso é um caso, dado que cada situação particular tem as suas especificidades. Pensar e investigar as relações amorosas e compreender a sua psicopatologia é uma tarefa muitíssimo complicada porque é difícil encontrar um padrão ou estabelecer um conjunto de critérios que nos assegure estarmos perante o que é bom ou normal.

Há inúmeras perguntas em torno deste tema que inevitavelmente ficam sem resposta. Porque é que as pessoas se apaixonam? Porque é que “escolhem” esta ou aquela pessoa? Porque é que certas relações duram imenso e outras se extinguem muito rapidamente? Porque há pessoas que se apaixonam por várias ao mesmo tempo? Porque desaparece o amor? etc., etc.

A psicologia das relações amorosas é uma área de investigação ainda muito recente e cheia de contradições (diferentes correntes têm opiniões diversas e por vezes contraditórias).

Proponho que se pense numa ética das relações amorosas. Por ética das relações amorosas entendo a especulação de qual seria o comportamento (ou conjunto de comportamentos) que potencialmente facilitaria a instalação e a manutenção de uma relação amorosa “boa”. Na wikipédia lê-se: “o objectivo de uma teoria da ética é determinar o que é bom, tanto para o indivíduo como para a sociedade como um todo”. Num certo sentido a ética estipula determinados preceitos de conduta. Neste caso, seriam condutas (comportamentos ou posturas mentais) que visariam a manutenção da relação amorosa com um nível de satisfação adequado.

Convido-vos a participarem dando a vossa opinião e, entretanto, eu própria vou escrevendo as minhas ideias sobre o assunto.

sábado, junho 24, 2006

A duração da psicoterapia psicanalítica

Muitos dos meus pacientes sentem-se desiludidos no início das suas psicoterapias e, por vezes, até aborrecidos pela longa duração do tratamento. A maioria das psicoterapias implica um trabalho continuado, com uma ou duas sessões por semana, durante vários anos (habitualmente entre 3 a 5 anos). As psicoterapias psicanalíticas são “tratamentos” que visam a modificação da personalidade em profundidade e isso não se consegue em meia dúzia de sessões nem existem palavras mágicas que possamos ensinar aos nossos pacientes, para que eles rapidamente fiquem bem. Fazer uma psicoterapia psicanalítica em profundidade é um trabalho duro que implica um compromisso sério durante muito tempo.

A velocidade da vida actual torna muito difícil compreender a necessidade de uma relação tão longa e intensa. Muitos dos meus pacientes dizem-me que sou a pessoa que melhor os conhece. Por vezes a psicoterapia dura mais do que o casamento deles e, muito frequentemente, observo o início e o fim de várias relações amorosas.
Estar em psicoterapia é sabermos que temos alguém que nos escuta e que, num certo sentido, vive connosco a nossa vida. É sentirmos que aquilo que somos constitui uma descoberta permanente e que as transformações que sofremos são subtis e que em cada mudança nos aproximamos mais daquilo que verdadeiramente somos. O psicoterapeuta não pretende “moldar” o paciente ou fazê-lo ficar desta ou daquela maneira. Simplesmente está lá, para ouvir, apoiar, estimular o questionamento e ajudar a pessoa a perceber aquilo que ela própria não consegue entender sozinha.

A personalidade muda e a psicopatologia fica atenuada ou desaparece porque esta “nova relação” funciona como um outro olhar que a pessoa tem sobre si própria, um olhar desprovido de censuras, desejos e preconceitos. Lentamente a pessoa abre-se e restaura-se, sarando as suas feridas e procurando novos pontos de apoio para edificar uma “nova” personalidade.

O grau de confiança e, num certo sentido, de intimidade que se gera entre um psicoterapeuta e o seu paciente só pode ser conquistado com tempo e paciência. Para sermos capazes de comunicar o que há de mais privado e profundo em nós temos que confiar muitíssimo no outro, o que demora muito e muito tempo. Precisamos de ter a garantia de que o psicoterapeuta não vai “mesmo” censurar-nos, diminuir-nos, explorar-nos, humilharmo-nos, etc. Só depois de um bom tempo em psicoterapia é que nos “instalamos” verdadeiramente nela.

quinta-feira, junho 22, 2006

A cultura do narcisismo

A sociedade actual estimula a cultura do narcisismo. Cada vez mais competimos de forma acirrada por um “lugar ao sol” num mundo em que impera a lei do mais capaz e do sucesso ou da aparência dele.

As exigências de sucesso provocam um enorme desgaste. As pessoas sentem-se obrigadas a atingir metas idealizadas e a ultrapassarem a qualquer custo as suas limitações. Instala-se um conflito entre o “eu idealizado” e o “eu real” que nos leva a desenvolvermos a crença de que valemos mais pelo que temos ou aparentamos ser do que pelo que realmente somos.

A ânsia de reconhecimento faz com que a aparência tenha um enorme valor; quando somos confrontados com a diferença entre aquilo que pretendemos ser e aquilo que somos verdadeiramente a nossa auto-estima sofre, e esta diminuição da auto-estima torna-nos vulneráveis à depressão.

segunda-feira, junho 19, 2006

Biblioteca virtual com revistas de psicologia e psiquiatria

A Scielo Portuguesa é uma biblioteca virtual que abrange uma colecção seleccionada de revistas científicas portuguesas. Das 9 revistas disponíveis destaco a Análise Psicológica e a Revista Portuguesa de Psicossomática.

A Scielo brasileira tem 159 revistas com números online. Tem 48 números dos Arquivos de Neuro-Psiquiatria; 45 números da Revista Brasileira de Psiquiatria; 21 da Revista de Psiquiatria Clínica; 9 números da Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul; 20 números da Estudos de Psicologia (Natal); 10 números de Psicologia & Sociedade; 18 de Psicologia USP; 12 números de Psicologia em Estudo; 26 números de Psicologia: Reflexão e Crítica; 18 números de Psicologia: Teoria e Pesquisa e 5 números da Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica.

sexta-feira, junho 16, 2006

As diferentes teorias de Melanie Klein

Nos últimos dias tenho estado a preparar uma aula sobre as teorias desenvolvidas por Melanie Klein. Continuo a ficar impressionada pela forma persistente e tenaz com que Klein se apegou às teorias clássicas. Como deveria ser difícil ir contra as ideias de Freud nos anos 20, 30 e 40!

As últimas concepções de Klein, nomeadamente a teoria da posição depressiva, da posição esquizoparanóide e por último da inveja primária destronam as clássicas teorias do desenvolvimento psicossexual, do superego e do complexo de Édipo, entre outras.

As posições de Klein podem continuar a ser polémicas, mas há que concordar que foi uma analista com uma coragem incomum.

quinta-feira, junho 15, 2006

Prime - Terapia do Amor

No filme Prime, traduzido em português por Terapia do Amor, Meryl Streep interpreta o papel de uma psicoterapeuta e Uma Thurman representa o de paciente.

O filme em si, na minha opinião, não é particularmente bom, mas levanta um problema ético de difícil resolução e que todos nós, psicoterapeutas, corremos o risco de ter que enfrentar em algum momento do nosso percurso profissional.

A paciente apaixona-se e envolve-se com o filho da psicoterapeuta sem ter consciência desta relação de parentesco. O conflito psicológico e ético em que esta situação coloca a psicoterapeuta (dado que é ela quem percebe em primeiro lugar que o filho é o namorado da paciente) é bastante bem retratado no filme, se bem que não a um nível muito profundo.

A decisão da psicoterapeuta de continuar a seguir a paciente sem lhe dizer que o namorado dela é o seu filho é, para muitos, no mínimo, questionável; contudo a decisão inversa, a de contar de imediato à paciente que a pessoa por quem ela se está a apaixonar é o seu filho, também seria igualmente questionável. Este não é um problema de fácil solução e qualquer que seja a posição do psicoterapeuta, esta pode ser defendida e atacada.

No filme a psicoterapeuta opta, até a um certo ponto da história, por não dizer nada à paciente e tenta esforçar-se por pensar e viver aquela situação como se não se tratasse do seu filho, mas de qualquer outro rapaz. Tenta, num certo sentido, manter uma posição profissional, não querendo prejudicar a paciente por aquilo que lhe parece, na altura, uma situação passageira e sem futuro. Ao longo das sessões podemos observar o profundo incómodo da psicoterapeuta com o relato minucioso e íntimo da vida do casal e a necessidade que tem de recorrer ela própria a um psicoterapeuta para tentar lidar com a situação que está a viver.

Quando a psicoterapeuta percebe que a relação entre o casal é mais intensa e duradoura do que estava à espera e, simultaneamente, pressionada pelo tumulto interno que as revelações da paciente geram em si e temerosa de poder estar a prejudicar a paciente e “futura nora”, resolve contar-lhe que é a mãe do seu namorado. Esta revelação põe um ponto final à psicoterapia e abre espaço para que as duas mulheres passem a ter uma relação privada, a qual, no entanto, contínua contaminada pela relação anterior. O filme não trabalha muito esta parte relativa às consequências da contaminação da relação psicoterapêutica anterior na relação actual.

No fundo, o problema que o filme coloca é o de saber o que fazer quando no decurso de uma psicoterapia o nosso paciente passa a relacionar-se de forma íntima com alguém que também faz parte do nosso círculo pessoal. Devemos ou não revelar ao paciente o nosso laço particular com a pessoa envolvida.

Na minha opinião, a decisão da psicoterapeuta do filme foi a mais correcta. Isto é, não se precipita a revelar de imediato a ligação, tentando simultaneamente perceber o momento em que a retenção dessa informação causa modificações na forma como conduz a psicoterapia.

Quando a psicoterapeuta percebe que o frágil equilíbrio entre o benefício e o prejuízo se inclina no sentido de ser prejudicial para ambos (psicoterapeuta e paciente) deve, na minha opinião, revelar e dar por terminada a psicoterapia, por não existirem condições adequadas para a realização da mesma.

quarta-feira, junho 14, 2006

O tratamento pela fala e pela escuta

A psicanálise e as psicoterapias psicodinâmicas são tratamentos pela fala e pela escuta, enquanto a psicofarmacologia e as psicoterapias cognitivo-comportamentais são intervenções sobre o corpo e sobre o condicionamento.

Os três tipos de intervenção têm as suas finalidades e, por vezes, é aconselhável que sejam “recomendados” como intervenções complementares e simultâneas. Existem no entanto alguns domínios em que parecem ser incompatíveis e visarem objectivos diferentes. Praticamente todo o tipo de abordagem terapêutica à saúde mental tem pretensões a ser a melhor ou aquela que deveria ser aplicada em exclusividade. Esta pretensão parece-me válida e inclusivamente tem permitido que as correntes se esforcem no sentido de desenvolver o seu método até a um ponto máximo.

Podemos hierarquizar os tipos de intervenções anteriormente referidas de acordo com o grau de intrusão do método e os possíveis efeitos secundários ou colaterais. Os tratamentos pela fala e pela escuta estão no topo desta lista dado que são particularmente pouco intrusivos e os efeitos secundários prejudiciais, quando acontecem, são facilmente detectados pelo paciente (por exemplo, devido a um psicoterapeuta pouco correcto eticamente) e o paciente pode defender-se deles com alguma facilidade, suspendendo o tratamento ou mudando de psicoterapeuta. O tratamento pela fala e pela escuta assenta na convicção de que as pessoas poderão modificar o seu comportamento e a sua forma de sentir e viver através do estabelecimento de uma relação que privilegia a observação, a análise e a reflexão.

No patamar seguinte vêm as intervenções cognitivo-comportamentais que privilegiam igualmente a observação, mas que assentam na convicção de que podemos modificar o comportamento condicionando a cognição ou utilizando mecanismos de recompensa e castigo. O condicionamento é uma técnica manipuladora que pode esmagar a originalidade e a espontaneidade.

No fim da nossa lista encontram-se as intervenções psicofarmacologicas que induzem estados emocionais ou alteram os existentes. As intervenções químicas sobre o corpo são muito poderosas e evitam algumas das dificuldades que as técnicas anteriores colocam, nomeadamente no tempo de intervenção e a exigência de dedicação do paciente ao tratamento. Por outro lado, as intervenções químicas tendem a criar efeitos massificadores: o consumo de Prozac foi elucidativo desse efeito, pois as pessoas que tomam Prozac ficam parecidas na maneira como sentem, pensam e vivem.

Na minha opinião, a escolha de um determinado tipo de intervenção deve reflectir algumas preocupações:

a) O sofrimento psíquico que o paciente apresenta condiciona de forma grave o seu modo de ser?

b) O paciente preza a liberdade de ser quem é e não pretende ser “manipulado”, nem psíquica nem quimicamente?

c) O paciente gosta de pensar sobre ele próprio e as suas relações e está disposto a auto-investigar-se?

Se o sofrimento psíquico do paciente for grave ou muito grave, considero que se deve de imediato pensar numa intervenção química que possa com rapidez e eficiência reduzir o sofrimento. Se o paciente preza a liberdade de ser quem é e está disposto a auto-investigar-se, considero que a intervenção mais adequada é a psicodinâmica. Se o paciente tem uma dificuldade bastante circunscrita e sente-se capaz de se sujeitar a uma técnica de condicionamento psíquico então considero que a intervenção mais adequada é a cognitivo-comportamental.

A utilização conjugada dos diferentes tipos de intervenções é muito benéfica em quase todos os tipos de pacientes, mas principalmente naqueles que não melhoram significativamente com nenhuma das abordagens individualmente.


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domingo, junho 11, 2006

sexta-feira, junho 09, 2006

Agregadores de RSS

Uma das dificuldades em seguir um blog é sermos obrigados a visitá-lo periodicamente para verificar se foram colocados ou não novos posts. Esta tarefa pode ser aborrecida e muitas vezes os leitores, apesar de interessados e motivados deixam de frequentar determinado blog porque simplesmente se esquecem dele.

Os leitores de RSS são programas concebidos precisamente para resolver este problema. Também podem chamar-se “agregadores”. O RSS é um pequeno bip, um sinal que é enviado pelo blog quando um leitor de RSS entra em contacto com ele. Esse sinal avisa o seu computador de que o blog foi actualizado. Se tiver um leitor de RSS (estes programas são gratuitos e fáceis de utilizar) sempre que o blog é actualizado poderá ter acesso aos novos posts directamente. Se não houver nenhum novo posts, não precisará de perder tempo a visitar a página.

A maioria das pessoas que se interessam por Psicologia e Psicoterapia – que são os temas mais desenvolvidos no SALPICOS – tem escassos conhecimentos de informática e por isso, pareceu-me, pertinente falar deste assunto aqui.

Se gosta deste blog e pretende acompanhar a colocação de novos posts, a melhor forma é recorrendo a um agregador, como, por exemplo, o Omea Reader. Proceda do seguinte modo:

  1. Clique no link OmeaReader
  2. A partir do Site JetBrains instale o programa OmeaReader seguindo as instruções que lhe são facultadas
  3. Quando estiver de visita ao nosso Blog pressione o símbolo RSS que se encontra na barra lateral.
  4. Da próxima vez que abrir o programa OmeaReader ele irá mostrar-lhe automaticamente os novos posts do SALPICOS e de todos os outros blogs ou sites que tenha previamente registado.
Leia os novos posts directamente do OmeaReader e se quiser venha ao blog clicando na palavra source que aparece no fim de cada posts.

Aprecie! O leitor de RSS vai poupar-lhe tempo e permitir-lhe estar sempre actualizado.

quinta-feira, junho 08, 2006

Entrevista com Elisabeth Roudinesco

Esta entrevista com Elisabeth Roudinesco foi apresentado no blog caminhar (post do dia 7 de Maio)

"Folha - Como a sra. analisa "O Livro Negro da Psicanálise"?
Elisabeth Roudinesco - Ele não contém nenhuma revelação. É um livro sem interesse e que só teve impacto porque foi capa do "Nouvel Observateur" [revista semanal de mais influência e vendagem na França].

Folha - O que mais choca nele?
Roudinesco - Ele não me choca porque é um debate antigo. Mas não se trata mais de querelas historiográficas, teóricas e intelectuais. Um "livro negro" supõe um massacre de massa, um gulag da psicanálise, muitos mortos. Tentaram inventar mortos que não existem, sobretudo drogados mortos por causa da psicanálise, além de milhares de crianças terríveis por causa de Françoise Dolto [1908-88, psicanalista especializada em infância].
Os fatos são inexatos. Freud é apresentado como um mentiroso, um falsificador. O caso de um autor sério como Patrick Mahony é exemplar. Para explicar as pulsões incestuosas de Freud, ele publicara um texto sobre a análise de Anna Freud por seu pai, num livro sério, nos EUA. No contexto do "livro negro", a pulsão incestuosa se transforma em incesto de fato para o grande público. Também não é verdade que Freud era apegado a dinheiro. Não é verdade que ele era um escroque, não é verdade que mentiu. Ele era autoritário, teve problemas com seus discípulos. Mas não há nada de secreto em sua vida.
Além disso, esse livro desenvolve uma teoria do complô, do conspiracionismo, isto é, que os psicanalistas do mundo inteiro são um movimento de bandidos, de gângsteres, que ocupam lugares indevidos nas instituições. Fica difícil discutir com autores de mentiras.

Folha - "Por Que Tanto Ódio" é uma resposta ao "Livro Negro"?
Roudinesco - Não, trata-se apenas de um artigo que fiz na imprensa seguido de uma grande nota informativa. Não tive a intenção de fazer uma análise precisa dos textos do "Livro Negro". O livro que escrevi e que é uma resposta antecipada ao livro negro é "Por Que a Psicanálise?". Esse debate entre os que combatem e os que defendem a psicanálise já aconteceu nos EUA.

Folha - As críticas à psicanálise dizem respeito, entre outras coisas, ao seu caráter não-científico. A psicanálise é uma ciência?
Roudinesco - Nunca foi. O problema é que ela desperta, como Marx, como todo movimento de emancipação que perturba a ordem do mundo, um ódio particular. Hoje não podem atacar a revolução sexual, não podem mais acusar a psicanálise de ser uma pornografia.
Mas já tentaram tudo, acusaram-na de ser uma ciência judaica, de ser uma falsa ciência. Cada época, segundo sua ideologia, a acusa de alguma coisa. A tese segundo a qual ela é uma falsa ciência remonta a antes da Primeira Guerra, mas perdeu seu impacto hoje por causa da evolução da psiquiatria, que reintegrou o campo da medicina orgânica, passando ao domínio da psicofarmacologia e das neurociências.
Agora, volta o grande debate entre os defensores do psiquismo e os organicistas, que data do fim do século 19, e que volta com o progresso da genética e das neurociências, com a idéia de que se pode tratar da doença mental sem tratamento psíquico. A psicanálise continua um obstáculo que precisa ser destruído.

Folha - Pela farmacologia?
Roudinesco - O melhor ainda é o tratamento pela palavra, a psicanálise, mais a farmacologia. O que não é desejável é a ideologia farmacológica, a idéia de tratar apenas pela farmacologia. Por outro lado, há o comportamentalismo, onde não há clínica, que trata os sujeitos como ratos de laboratório. É o condicionamento, uma ideologia extremamente perigosa para a sociedade, independentemente da psicanálise.
Tem-se um exemplo disso na idéia de que, para tratar dos desvios sexuais, devem-se realizar castrações químicas ou cirúrgicas. É o que se chama intervenção sobre o corpo e o condicionamento. Nessa visão, tratam-se os sintomas por meios que excluem a evolução humana. Ou se continua a crer que a alma humana é aperfeiçoável, mas que não há o risco zero, e isso é uma ideologia progressista. Ou então é a barbárie.
Essas pessoas pensam que se pode prevenir a delinqüência com exames nas crianças de três anos. Parece ridículo, mas acreditam nisso. De um lado, os desvios sexuais, de outro as crianças. E nós no meio. Significa que todo mundo deve passar por controle para tentar ser normal. Mas o que é ser normal?

Folha - É o controle total do Estado sobre o cidadão?
Roudinesco - Sim, mas é normal que se controle o cidadão, que se lancem políticas contra o câncer. Mas até onde se vai? Será normal que um biopoder controle nossas emoções, nosso psiquismo, nosso afeto, que determine uma norma, que não se sabe bem o que é? A experiência com os criminosos e desviantes vai nos levar a refletir sobre o que querem fazer conosco. A partir de um momento, podem considerar que todas as pessoas que fumam são criminosas, criminosas contra elas próprias e contra o outro.
É um fascismo ordinário, de que Gilles Deleuze e [Michel] Foucault descreveram o mecanismo. Vivemos num mundo unificado, no qual a alternativa é o integrismo religioso. Estamos entre a pornografia e o misticismo, entre a pornografia e o puritanismo. Como penso que a democracia é perfectível, o combate de amanhã é recusar esses sistemas.

Folha - Esse é um dos combates da psicanálise?
Roudinesco - Sim, mas ela não o enfrenta, o que é uma pena.

Folha - Por que os psicanalistas não o enfrentam? Por que não se envolvem mais na política?
Roudinesco - Porque se tornaram reacionários, cometeram erros monumentais, não se ocuparam do social, não trataram de política, tornaram-se conservadores. Mas não conservadores como Freud, um conservador esclarecido. Transformaram-se em psicoterapeutas, antes desprezados por eles. Não se vai nem pedir que os psicanalistas sejam subversivos. Confundiram a neutralidade na cura com a neutralidade política. Eles não pensam mais os problemas da sociedade; e, quando o fazem, é com interpretações psicanalíticas absolutamente incoerentes.
Enganaram-se de debate com os defensores da ciência, pois, em vez de debater os problemas de sociedade, debateram com os comportamentalistas. Essa é a tendência americana. A metade dos psicanalistas americanos é de comportamentalistas. Foram eles que fizeram o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).
Os psicanalistas se transformaram em terapeutas comportamentalistas. E pensam que isso é ciência. Não estão mais imbuídos da força emancipadora do início, reforçada por Lacan, e da qual ainda temos vestígios na França, onde nos mobilizamos contra o comportamentalismo mais do que em qualquer parte. E por isso publicam esse livro negro.

Folha - Os autores falam de "deificação de Freud", de "hagiografia", a propósito da biografia de Ernest Jones ["A Vida e a Obra de Sigmund Freud", Imago], "de evangelho freudiano", de "peregrinação" a Viena e a Londres para conhecer as casas de Freud. Os psicanalistas seriam os discípulos de um novo messias?
Roudinesco - Essas críticas têm 50 anos de atraso. Nenhuma pessoa séria vive a psicanálise sob o ângulo de Jones. Eles acusam os psicanalistas de viverem na legenda dourada, talvez seja verdadeiro para alguns. Faz parte desse lado reacionário de que eu falava. Atacam Jones, mas esquecem trabalhos sérios sobre Freud, inclusive os meus, os de [Yosef Hayim] Yérushalmi, os de Peter Gay.

Folha - A psicanálise é vista como uma prática subversiva, de contestação da sociedade. Como praticá-la num país como a China ou sob qualquer totalitalitarismo?
Roudinesco - Não se pode praticá-la sob totalitarismos. Quando os antigos sistemas ditatoriais, totalitários, estão em via de desconstrução, começam os contatos.
É a mesma situação nos países do mundo árabe-islâmico.

Folha - Pode-se analisar alguém sem liberdade, sem democracia?
Roudinesco - Quando a palavra não é totalmente livre, não pode haver análise. Na China, há pouca coisa, menos que no mundo árabe-islâmico. Diria que os psicanalistas franceses têm um desejo de China que existe desde o maoísmo. É o sonho da China, sonho da Ásia, mais forte que eles. Só existe um psicanalista, em Chengdu, Huo Datong, objeto de todas as cobiças. Há alguns avanços da psiquiatria em Pequim. O que se passa hoje, entre os psicanalistas franceses, ocidentais e americanos, é que eles querem colonizar. É um desejo de colonização. Por isso, defendo sempre a independência.
Huo Datong fez algo muito bom, bastante independente. Mas esse é o caminho mais difícil. É preciso ao mesmo tempo ter relações com o estrangeiro e não ser colonizado, mas é muito difícil. Mas há hoje entre os psicanalistas franceses uma "chinomania". Os lacanianos têm o mesmo desejo de Oriente que Lacan. É uma identificação com Lacan, que foi ao Japão e que sonhava com a China."

domingo, junho 04, 2006

Ambiental versus Pulsional

A psicologia psicodinâmica anda sempre às voltas a tentar perceber se os factores determinantes para o saudável desenvolvimento do psiquismo infantil são ambientais (a família e os demais convivas da criança) ou pulsionais (forças internas à criança e biologicamente pré-determinadas).

Formaram-se diferentes escolas de pensamento que defendem pontos de vista opostos. Mas a polémica subsiste e ainda não foi encontrada uma resposta suficientemente eficaz.

A escola de Winnicott, por exemplo, dá um peso muito significativo à qualidade do ambiente afectivo em que a criança cresce; não tanto como determinante da evolução da criança, mas mais como facilitador ou inibidor desse mesmo desenvolvimento. Para Winnicott as “forças no sentido da vida, da integração da personalidade e da independência são tremendamente fortes, e com condições suficientemente boas a criança progride; quando as condições não são suficientemente boas essas forças ficam contidas dentro da criança e de uma forma ou de outra tendem a destruí-la” (1). Neste excerto percebe-se claramente que para Winnicott a pulsão está ao serviço do desenvolvimento saudável e que o ambiente poderá exercer um efeito prejudicial.

A escola de Klein parece defender uma posição quase oposta à de Winnicott. Para Klein o bebé nasce com um ego rudimentar e é dominado pela pulsão de morte e de vida. Se o meio ambiente não for responsivo de forma adequada, a pulsão de morte aniquila o bebé a partir do seu interior.

Na perspectiva de Winnicott o ambiente (a mãe) deve realizar a sua função de tal forma que não prejudique, enquanto que em Klein o ambiente (a mãe) tem que prover experiências gratificantes para contrabalançar o efeito da pulsão de morte. Para Klein, a mãe salva o bebé de sucumbir ao aniquilamento que o ameaça pela pressão interna da pulsão de morte.

Ambos aceitam a existência de condicionantes ambientais e pulsionais, mas a maneira como os entrecruzam é profundamente diferente. Para Klein a intensidade inata da pulsão de morte é determinante; para Winnicott a qualidade do ambiente facilitador é determinante.

(1) Winnicott, D. W. (1962) Provisão para a criança na saúde e na crise. In O Ambiente e os processos de maturação – Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Ed. Brasileira, 1983, Porto Alegre: ArtMed, pp.62-69

sexta-feira, junho 02, 2006

Revista Portuguesa de Psicossomática

A Revista Portuguesa de Psicossomática ocupa já um espaço importante no grupo de revistas sobre Psicologia. É uma revista com uma inspiração médica bastante visível dado que o seu director, o Prof. Rui Coelho, é médico psiquiatra e Professor Associado da Faculdade de Medicina na Universidade do Porto. É também notória a influência da psicologia, quer cognitiva quer psicodinâmica, e até mesmo da psicanálise. O Prof. Rui Coelho é, para além de Psiquiatra, um eminente Psicanalista.

A Revista Portuguesa de Psicossomática é a voz da Sociedade Portuguesa de Psicossomática, criada em 1996 e que conta actualmente com cerca de 350 sócios, ligados pelo interesse comum do estudo do homem enquanto ser psicossomático.

A psicossomática é uma “disciplina” muito complexa, com áreas enormes de cruzamento com outras disciplinas, como sejam as diferentes medicinas, a fisiologia, o desporto, a dança, etc.; ou seja, com tudo aquilo que de uma forma ou de outra implica o corpo e o seu bom ou mau funcionamento.

As discussões sobre as velhas questões da divisão entre a “alma” e o “corpo” são tão actuais como o eram há cem anos atrás. Talvez agora existam outros nomes para falar sobre as coisas e em vez de “alma” falamos de “mente” e “psiquismo”; mas a perplexidade perante as influências mútuas são igualmente intensas. Precisamos do corpo para pensar, sentir e viver; mas sem mente vive-se sem se viver realmente.

quinta-feira, junho 01, 2006

Exigências

Parece existir uma relação entre exigência e carência, mas essa conexão não é linear. Há muitas pessoas cujo padrão de relação com os outros se pauta pela exigência. São exigentes consigo próprias e com os outros e alimentam-se dessa exigência.

As pessoas muito exigentes tornam-se muitas vezes chatas e de difícil convívio. Escondem-se numa espécie de moralidade superior e lançam, desse ponto alto, as suas críticas e exigências. Ficam muitas vezes insatisfeitas porque por mais que os outros queiram corresponder às suas exigências acabam por falhar e a falha origina um protesto incontido. Quando exigem e a sua exigência não é atendida, sentem a dor corrosiva da carência. Protestam e protestam até se sentirem cansadas, esgotadas e depois ficam presas de um sentimento de profundo desamor e desrespeito.

Protestar é uma forma de manipulação como a sedução; a intenção é levar o outro a fazer aquilo que queremos que ele faça. Nas pessoas exigentes a agressividade é bastante forte e há um desejo de cativar o outro pela exibição de força.

Actualmente a assertividade confunde-se com exigência. Ser assertivo e ser exigente não é a mesma coisa. Ser assertivo é ser-se capaz de manter o ponto de vista e de ser honesto consigo próprio e com os outros; ser-se exigente é acharmos que o nosso ponto de vista tem mais razão de ser, é de alguma forma melhor e considerarmos que só nos sentimos bem quando somos frontalmente verdadeiros, mesmo quando essa verdade é agressiva para o outro. Sermos exigentes é acharmos que fazer concessões ou procurar plataformas de acordo denuncia uma fraqueza moral, uma fraqueza de personalidade.

Ser-se exigente é estar-se sempre a dizer “É assim” e enunciar o nosso conjunto de regras morais e condições.

quarta-feira, maio 31, 2006

A Psicanálise de Winnicott

Tenho estado a ler um dos livros de Winnicott, “O Ambiente e os Processos de Maturação – Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional”, editado pela ArtMed

Este livro foi originalmente publicado em 1979, portanto oito anos após a morte do seu autor. É uma colectânea de artigos que foi escrevendo ao longo da sua vida, alguns dos quais tinham já sido publicados anteriormente.

O livro é, de uma maneira geral, bastante interessante. A escrita de Winnicott é agradável e de relativo fácil entendimento, contrariamente a alguns outros psicanalistas que têm uma escrita, por vezes, de muito difícil leitura.

Num pequeno artigo de 1962, Winnicott fala dos objectivos do tratamento psicanalítico de uma forma muito engraçada.

Diz ele:

“Ao praticar a psicanálise, tenho o propósito de:

me manter vivo;

me manter bem;

me manter desperto.

Tenho o objectivo de ser eu mesmo e me portar bem

Uma vez iniciada uma análise espero continuar com ela, sobreviver a ela e terminá-la”

Quem pratica a psicanálise ou a psicoterapia psicanalítica sabe bem como estas palavras são sábias. Quando somos psicoterapeutas, cada início de uma análise ou psicoterapia é um desafio. Se conseguirmos passar por esse desafio, sobreviver-lhe, mantendo-nos vivos, bem e despertos, sem perdermos a capacidade de sermos nós próprios e de nos mantermos fieis às boas práticas psicanalíticas, então foi com certeza um sucesso, para ambos: paciente e terapeuta.

terça-feira, maio 30, 2006

Psicoterapia Psicanalítica

Tenho estado a ler um livro sobre psicoterapia psicanalítica que me tem agradado particularmente. Foi escrito por uma psicanalista americana, Nancy Mcwilliams e está publicado em português na Climepsi.

A exposição de Nancy sobre a Psicoterapia Psicanalítica é muito clara e o livro está recheado de conselhos práticos que são de grande ajuda para os psicoterapeutas principiantes e permite aos psicoterapeutas mais batidos ficarem “mais descansados” por nem sempre cumprirem as regras clássicas das boas práticas psicoterapeuticas.

A ilustração clínica com a apresentação, mais ou menos minuciosa, de dois casos; um de uma paciente com uma estrutura de personalidade mais neurótica e um outro de uma paciente com estrutura borderline é agradável e refrescante. Nancy mostra-nos com uma abertura incomum, os seus pontos fracos e os seus “erros” clínicos, reconhecendo sempre que cada caso é um caso e que cada psicoterapeuta é único na relação clínica com os seus pacientes.

Uma nota curiosa é que Nancy se refere muita vez aos pacientes como clientes. Em Portugal a Psicoterapia e a Psicologia Clínica, talvez por ter uma estreita associação com a medicina, sempre denominou os seus ‘utentes’ por pacientes; se por um lado a palavra paciente, remete para ‘pathos’ que significa dor e por aí mesmo revela um sentido fundamental para descrever a “perturbação psíquica”, por outro a palavra cliente descreve muito mais uma relação entre duas pessoas, uma delas que presta um serviço (o psicoterapeuta) e uma outra que solicita e recebe esse serviço (o cliente). A palavra cliente é, na minha opinião, melhor, porque “despsicopatologiza”, isto é, coloca a psicoterapia muito mais ao nível da atribuição e descoberta de sentido do que ao nível da cura.

A Psicoterapia Psicanalítica que Nancy Mcwilliams nos dá a conhecer é profundamente respeitadora da individualidade dos clientes que a procuram e simultaneamente respeitadora das dificuldades e limitações dos psicoterapeutas, que ao fim e ao cabo, são pessoas como as outras.

Os outros livros da Nancy Mcwilliams igualmente editados em português pela Climepsi são também trabalhos a não perder, principalmente o Diagnóstico Psicanalítico. Um destes dias, falarei sobre ele; oferece uma forma bastante original de olhar a psicopatologia, cruzando as estruturas de personalidade com a constelação sintomatológica.

segunda-feira, maio 29, 2006

Estigma

Penso que será uma opinião de consenso dizer que não há qualquer dúvida de que actualmente em Portugal ainda existe um forte estigma associado às consultas de psicologia e, ainda mais intenso, associado às consultas de psiquiatria e de psicoterapia.

Nas grandes cidades este estigma é menos limitador da procura de um psicólogo porque cada indivíduo está centrado sobre si próprio e pouco ou nada olha para o vizinho; mas nas cidades mais pequenas e, principalmente, nas vilas, assumir a necessidade de pedir ajuda a um psicólogo ainda é visto como sinónimo de que não se está bem da cabeça e o rótulo “doente mental” fica colado à pele.

O peso do estigma é tanto maior quando a idade aumenta. A procura de psicólogos para ajudarem as crianças nas mais diversas problemáticas é relativamente frequente e quase não pesa, nem para as crianças nem para os pais. Mais ainda, levar um filho ao psicólogo e criar as condições para que ele faça uma psicoterapia é indicador de sermos pais atentos e preocupados com o bem-estar físico e psicológico dos nossos filhos.

Quando o filho é adolescente ou pré-adolescente, as coisas já se complicam um pouco mais. O próprio adolescente sente que ir ao psicólogo é estigmatizante perante os seus amigos e colegas e os pais começam a ficar aflitos, não vá o miúdo ir para lá dizer umas coisas que nós até preferíamos que ninguém soubesse.

Quando entramos na idade adulta, abre-se a possibilidade de irmos ao psicólogo sem ninguém saber e isso é bom; mas poucas pessoas fazem uso dessa oportunidade. Em primeiro lugar, parece-me, porque é pouco prático; a regularidade das consultas, sempre no mesmo dia da semana e à mesma hora, gera suspeitas nos amigos e familiares e, então, a pessoa lá se sente “obrigada” a ter que dizer e depois lá vem o estigma.

Os mais velhos, homens e mulheres maduros, acham “quase” humilhante irem para um psicólogo falar da vida deles. Sentem que já têm idade para “terem juízo” e não andarem com “choraminguices”. Quando se tem mais de 50 anos, ir ao psicólogo pode ser um verdadeiro desafio; é assumir que se tem problemas e que de alguma forma somos incapazes de os resolver sozinhos. Assumir perante quem? Perante nós mesmos e perante o psicólogo e isso não é nada fácil.

Chegará o tempo em que qualquer pessoa, independentemente da sua idade ou dificuldade, poderá ver num psicólogo, um parceiro na investigação da sua própria personalidade e apenas isso. Não um professor ou um sábio. Não um disciplinador ou um confidente. Um parceiro nesta tarefa complicada que é apreender a viver e descobrirmo-nos a nós próprios.

sexta-feira, maio 26, 2006

Uma entrevista com Freud – A febre chamada viver

Há uns dias estive a ler uma entrevista que Freud deu, em 1926, ao jornalista americano George Sylvester Viereck. Freud tinha na altura cerca de setenta anos.

A entrevista foi-me dada a conhecer por uma colega e é, na minha opinião, extremamente interessante. Mostra um Freud com serena humildade, mas simultaneamente em sofrimento pela doença que o consumia. O tom e o conteúdo da entrevista fazem-me pensar num Freud “pacificado” a aguardar serenamente a sua morte. Fala-nos da velhice - da sua velhice - e diz-nos que teve bons momentos, durante os quais apreciou as coisas agradáveis da vida e saboreou a companhia da sua mulher, dos seus filhos e a beleza do pôr-do-sol. Conta ainda que teve o privilégio de ter em certas ocasiões uma mão amiga para apertar, e uma ou outra vez alguém que quase o compreendeu.

Ler esta entrevista é uma lufada de ar fresco em relação à imagem tão intensamente divulgada de um Freud narcísico e autocentrado. Mostra um homem sensível às coisas simples e mundanas. Cansado de viver. Saturado das “eternas lutas entre o ego e a realidade” e esgotado pelo sofrimento e o incómodo que a doença lhe provocava.

Quando questionado sobre a morte, diz:

“É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo da própria destruição. Do mesmo modo como um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objectivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.”.

Aconselho vivamente a leitura desta entrevista.

quarta-feira, maio 24, 2006

A Revista Psicologia Actual

Foi lançada à relativamente pouco tempo, uma revista de Psicologia para o grande público, ou seja, para um público não especializado. É inédito no nosso país, se bem que seja já vulgar em muitos outros países. É uma psicologia “light”, mas que não perde o rigor científico. Os temas tratados em cada número são vastos e a própria revista está organizada por secções temáticas. Infelizmente o site da revista continua em construção. É de notar que está nesta situação desde o lançamento da revista, e que não são apresentadas previsões quanto a quando ficará pronto. De qualquer forma aqui fica o endereço: www.psicologiaactual.com.


No último número contribuí com um pequeno artigo sobre o envelhecimento. Pretendia chamar a atenção para a necessidade que todos nós, independentemente da nossa idade, temos de “preparar” o nosso envelhecimento. Envelhecer é sempre algo que nos apanha desprevenidos mas, se estivermos atentos, podemos detectar os primeiros sinais e fazer um esforço para nos adaptarmos ao envelhecimento. Notem que digo, adaptarmo-nos ao envelhecimento e não deixarmo-nos esmagar por ele.


Envelhecer é sempre muito complicado por mais que queiramos “colorir o quadro”. Envelhecer está inevitavelmente associado à ideia de perda e perder algo ou alguém (mesmo que seja perdermos a nós próprios, ou uma certa imagem que temos de nós) é um verdadeiro murro no estômago que nos deixa atordoados. Não há forma, por mais fantástico que isso nos pudesse parecer, não há forma de impedir o envelhecimento, o melhor que conseguimos e para isso gastamos milhões, é retardar o envelhecimento.

Eu e os meus colaboradores pensamos que existe imenso trabalho a fazer relativamente ao envelhecimento; mais do que “cuidar dos velhinhos” temos que perceber que é preciso ajudar as pessoas a pensarem sobre si próprias, a reflectirem sobre o sentido perdido e reencontrado das suas vidas, a elaborarem o sofrimento que o envelhecimento inevitavelmente acarreta e a fazerem os “ajustes” à imagem que têm de si próprios e adequar as expectativas, para que a frustração não se sobreponha sobre tudo o resto e esmague a criatividade e o prazer de viver. Esta ajuda não pode ser fornecida, pelo menos de forma eficaz, pelos amigos ou familiares. Faço minhas as palavras de Bruno Bettelheim: Só amor não basta!

terça-feira, maio 23, 2006

O Plano Suicidário de um Paciente

Ontem uma colega questionou-me sobre um problema que apesar de bastante antigo é um dos mais delicados na prática da clínica psicológica.

O que fazer quando um paciente manifesta intenção suicidária séria? O que fazer quando há um plano minucioso para por termo há própria vida? Temos nós, psicólogos, o direito de interferir nas decisões dos nossos pacientes?

Responder a estas questões não é nada fácil. Na minha opinião, depende. Depende de muita coisa. Por norma, devemo-nos abster de intervir na vida pessoal dos nossos pacientes. O que nos interessa, o nosso campo de intervenção é o tempo e o espaço da sessão psicoterapêutica. Mas quando um paciente nos invade ao ponto de ficarmos hiper-preocupados com ele, ao ponto de ficarmos com medo de que ele se suicide, ao ponto de termos o sentimento de precisamos de lhe “salvar” a vida, vida essa que está ameaçada pela destrutividade que o habita. Temos nós o direito de o tentar impedir? Podemos nós “salvar” o paciente dos seus desejos homicidas virados contra ele próprio? Serão as nossas interpretações suficientes? Devemos agir? E, que tipo de acção?

Na minha opinião, em primeiro lugar há que tentar perceber a estrutura de personalidade que está presente e a “qualidade” da motivação suicida. É diferente se o paciente tem uma estrutura neurótica, borderline ou psicótica. O risco de que o paciente efectivamente se suicide, aumenta à medida que percorremos a gama das estruturas, mas o maior perigo talvez esteja nos pacientes que apresentam uma estrutura borderline psicótica e uma configuração psicopatológica do tipo maníaca. A dinâmica maníaca imprime força egoica e auto-determinação que pode levar a um agido fácil e calculista. A dinâmica borderline imprime o cunho do acting como solução “defensiva” para a dor narcísica. Nestas situações, acho que o psicoterapeuta não pode ficar comodamente sentado no seu sofá à espera que a interpretação traga “luz” a um mundo tão desesperado. Nestas situações, acho que temos que lançar mão de todos os recursos que possamos ter à nossa disposição; falar com a família se necessário, falar com o paciente e explicar-lhe o quanto ele é uma ameaça para si próprio, forçar – na medida do possível – um acompanhamento psiquiátrico de urgência.

Dê uma vista de olhos a um site muito bem feito e particularmente interessante – útil – sobre suicídio: Sociedade Portuguesa de Suicidologia