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sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Trair sem Culpa (IV) – Outros Contextos de Infidelidade


Continuamos então na nossa reflexão relativamente geral sobre a infidelidade.

A infidelidade encontra-se muito nas relações de dependência. A depêndencia (psicológica e emocional) obriga à permanência nas relações pelo medo de perda da pessoa de quem se depende e significa frequentemente uma angústia ou preocupação intensa/persistente quando se está fora de uma relação amorosa. Pode inclusive manifestar-se em casos em que o cônjuge ou companheiro de quem se depende não está fisicamente disponível, podendo levar à procura um substituto imediato de modo a não se entrar em contacto com uma angústia insuportável (que muitas vezes não consegue chegar sequer à consciência). Por vezes a própria pessoa (pouco consciente do seu problema) sente que a traição se justifica e culpabiliza severamente o companheiro por em determinado(s) momento(s) este não se encontrar disponível – patente aqui uma expetativa de disponibilidade não exatamente incondicional, mas demitida de um enquadramento realista e razoável na realidade das relações maduras, da individualidade dos demais e das responsabilidades que estes detêm nas suas vidas. A culpa (responsabilidade pela agressão e pelos danos cometidos contra o outro) é projetada, atribuída ao outro, porque está comprometida a capacidade de a aguentar internamente. Por exemplo, um homem homossexual que acusa ansiosamente o companheiro de ter relações extraconjugais (o qual por sua vez insiste pacientemente na sua fidelidade) é o mesmo homem que tem encontros sexuais extraconjugais várias vezes por semana enquanto o companheiro se encontra no trabalho. Muitas vezes quando o próprio é confrontado com a responsabilidade então mais intensa fica a projeção, já que na visão do acusado, o acusador é sempre culpado porque procura cruelmente forçar no outro o reconhecimento de sentimentos insuportáveis e não tolerados.

A dependência também obriga algumas vezes a aguentar a infidelidade do cônjuge, por receio da perda e/ou de outras angústias relacionadas. A raiva e o desejo de vingança podem surgir pela infidelidade, que dá também a ilusão de que não se depende “traumaticamente” do cônjuge traidor. Contudo a relação de dependência mantêm-se, pautada pelas infidelidades e discussões de parte a parte.

A dependência implica algumas vezes a transformação do cônjuge num substituto materno (alguém que é incumbido de colmatar múltiplas necessidades emocionais não satisfeitas do passado), o que pode levar a que de existam amantes fora de casa – fica em casa um substituto de mãe (ou de pai), e não tanto um companheiro(a) sentido como adulto, sexuado(a) e diferenciado. Todavia não se pode transformar alguém num substituto materno sem que esse alguém esteja de alguma forma predisposto a esse papel, pelos mais diversos motivos. Seja como for as tentativas de resolução de carências ou conflitualidades sérias do passado tendem a falhar quando esses assuntos não estão internamente elaborados, uma vez que se infiltram automáticamente nas relações.

Outras dinâmicas por detrás da infidelidade implicam também predisposições que advêm das identificações normais que as crianças fazem com os pais e com a relação entre eles, onde se ganham as referências daquilo que é uma relação adulta homem-mulher - para a menina, querer ser como a mãe e ter um homem como o pai; para o menino, querer ser como o pai e ter uma mulher como a mãe. São identificações naturais que acontecem no desenvolvimento e que marcam com muita força. Englobam também as dinâmicas específicas da própria relação entre os pais (ou entre os pais e os/as amantes, caso a criança fique exposta diretamente ou indiretamente a isso). 

Amor, casamento, sexo, traição e culpa são temas centrais da psicologia clínica. São temas inerentemente complexos que se articulam entre si, bem como com a história de vida de cada pessoa. Na escolha do companheiro, no amor e na traição, os conteúdos, necessidades, conflitos, preocupações ou temas centrais da psicologia de cada pessoa são particularmente estimulados e tornam-se evidentes. Os temas, conflitos ou angústias mais marcantes das primeiras relações (as relações de infância com os pais e entre os pais) tendem a ressurgir contínuamente na vida amorosa. Problemas com os primeiros vínculos na relação mãe-bebé, questões de abandono, raiva por elaborar, infidelidade por parte de dos pais, exposição de uma criança ás preocupações ansiosas de um dos progenitores sobre as infidelidades (reais ou receadas) do outro progenitor, são algumas das vivências de infância com potencial para mais tarde na vida condicionar a pessoa a uma vida amorosa tocada pela infidelidade – por exemplo, o ser infiel, ou o escolher inconsciente de parceiros menos confiáveis, propensos à infidelidade).

quinta-feira, janeiro 02, 2014

Dinâmicas Patológicas na Relação Amorosa: Conflito e Instabilidade


Para quem almeja uma relação amorosa profunda e duradoura, a compreensão em profundidade sobre a complexidade de si próprio(a) e do outro é vital.

Uma dificuldade, incapacidade ou resistência acentuada na compreensão em profundidade e empática de nós mesmos e dos demais significa, entre outras coisas, que existem aspetos intolerados na nossa personalidade que rejeitamos e expulsamos da nossa consciência. Estes aspetos são tendencialmente evacuados para os outros por mecanismos psicológico tanto mais ativo quanto os níveis de ansiedade de uma pessoa e/ou a sua intolerância a determinados conteúdos psíquicos, ou dificuldade de pensar sobre eles.

A psicanálise mostra-nos como podem existir em nós fortes tendências psicológicas para expulsar para os outros, induzir e consequentemente recear e/ou controlar neles, desejos, impulsos, ideias ou aspetos pessoais rejeitados em nós mesmos. Por outras palavras, algo intolerável, aversivo ou muito ansiogénico em nós próprios pode ser facilmente transformado em “É o outro (e não eu) quem é, sente, pensa ou se comporta desta ou daquela maneira.” Seguem-se respostas de medo ou indignação face a esse outro, podendo surgir mesmo o ataque a esse outro, ou tentativas de o manter debaixo de controle.

Aquando deste funcionamento psicológico (identificação projetiva) perde-se a exatidão da percepção real do outro, substituída agora por uma percepção distorcida, colorida por aquilo que é atribuído ao outro (projetado sobre este). Um companheiro ou uma companheira infiéis ou com um forte desejo ou impulso para a infidelidade podem facilmente começar a acusar o parceiro de infidelidade, procurar controla-lo e ás suas atividades, etc.. O que é procurado no fundo não é a tranquilização de que não existe traição mas a sim a legitimação da desconfiança persistente, a confirmação de que esses aspetos infiéis pertencem ao outro e não ao próprio. Lamentavelmente muitas vezes essas acusações e esse controlo acabam por levar o outro ao desgaste e a tornar-se aberto a outras relações, o que acaba por concretizar a fantasia de infidelidade.

A intolerância ao reconhecimento de aspetos mais desagradáveis ou vulneráveis da nossa psicologia pode criar problemas significativos para a estabilidade e para a maturação do casal. Esses aspetos podem ser responsáveis por problemas importantes na relação amorosa, contudo a confrontação direta pode igualmente ser de tal forma problemática e intolerável que resulta em crises de atribuição ou projeção de culpa. Por outras palavras, a situação e os papéis invertem-se subitamente e naquele momento – emerge um sentimento de se estar a ser vítima de um outro sentido agora como fundamentalmente cruel, insensível, intolerante, culpabilizante, e logo, merecedor de ser agredido.

A confrontação abrupta com partes intoleradas da personalidade tendencialmente não promove insight ou ganhos de compreensão, mas um reforço das tendências projetivas,  entre outras, que neste caso acabam por atribuir ao outro a própria parte cruel, insensível e intolerante da personalidade.

A perda da aliança na relação amorosa

Sob o efeito dos mecanismos projetivos, e consoante uma maior atividade dos mesmos e também de um maior grau de fragilidade constitucional de uma dada personalidade, perde-se momentaneamente e parcialmente o contacto com a lógica racional. Dissipa-se, em maior ou menor grau, o contacto com as partes boas do outro, com as boas recordações que guardamos sobre ele ou ela, com as boas intenções e o desejo de amor dele ou dela por nós. Tudo isto desaparece, de uma forma aparentemente mais subtil ou mais radical, mais momentânea ou mais duradoura (ou mesmo irreversível, nos casos que resultam em rotura permanente da relação). 

A perda de contacto com as partes boas do outro impossibilita formar ou manter o contacto com um sentimento de aliança com esse outro – uma aliança securizante, que procura acolher e trabalhar questões individuais e conjuntas que atormentam a relação. Ao fim ao cabo a maioria de nós consegue aliar-se ao que e a quem gosta e com quem se consegue identificar. Esta aliança é a base para a possibilidade de transformação dos conflitos do casal e do acesso a novas vivências e novos equilíbrios na relação amorosa.

As fragilidades constitucionais da personalidade podem de facto ser tais que não há tolerância ao reconhecimento de vulnerabilidades pessoais. Fica então comprometida a capacidade de responsabilização pessoal aquando dos problemas na relação de casal, bem como a capacidade de ser formada essa aliança com o outro, com as partes boas do outro – as partes generosas, pacientes, compreensivas, gratificantes, tolerantes, apoiantes.

O conflito ou a instabilidade prevalecentes conduzem à insatisfação crónica, à estagnação e ao fim da relação amorosa. Ou então a um prolongar e a um suportar masoquistas da mesma, alicerçados muitas vezes na eterna esperança de uma mudança.

A relação psicoterapêutica na psicoterapia psicanalítica estimula na pessoa as suas vivências e padrões relacionais habituais, oferecendo uma oportunidade única para que, num contexto e numa aliança seguros e securizantes, possam ser trabalhadas e resolvidas questões em torno de, por exemplo, conflitos específicos e instabilidade nas relações afetivas da vida da pessoa.

Por Diogo Gonçalves
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta