sexta-feira, março 02, 2007

Morreu o meu amigo

Morreu de repente um velho amigo, de muitos, muitos anos. Era escritor, tinha sido jornalista, foi sempre contra a corrente, não vendia muito. A vida não lhe andava a correr muito bem, estava magrinho, um pouco amargo. Caíu no chão com um AVC fulminante. Tinha um livro na mão. Por acaso era um livro dele próprio, estava a lê-lo para uma comunidade de leitores, instituição preciosa de que pouca gente fala.
Durante anos trocámos livros e ideias; sempre que um descobria um livro, avisava o outro. Sobretudo escritores de língua inglesa, que vínhamos perseguindo há anos com afinco. Foi assim até ontem.
A partir de hoje, isso acabou. A morte faz também isto, deixa-nos mais sós com nós próprios. Até que chega a nossa vez.
Curioso, já não sei qual foi o último livro que lhe emprestei. Mas ele deve saber. Foi há dias. Disse-lhe que precisaria do livro em breve por causa de uma coisa que estava a escrever, ficou de mo devolver com alguma rapidez, ao contrário do que era costume entre nós, que tínhamos uma espécie de pool de livros partilhados. Mas ele não se vai esquecer.
Estou confiante. A morte não nos vai tirar isso. Não vai, não. Vamos continuar a trocar livros.

10 comentários:

Diogo C. Pinheiro disse...

Amigos.. o que somos sem eles?!
Mas a vida é assim tira nos o que temos de melhor e deixa nos com o pior.

Teresa disse...

Clara,

Não tenho formação em psicologia, mas tenho sido ultimamente uma visitante curiosa e assídua deste Blog.

Perante este seu ultimo Post, não posso deixar de partilhar a minha experiência recente, na perca de um familiar muito próximo.

Já lá vão quase dois anos, mas a perda causada pela morte parece ficar assim como que a pairar no ar… na verdade às vezes parece que foi ontem, outras (muito mais raras) que já foi há muito, muito tempo, e outras (muito mais frequentes) que nunca aconteceu, porque a separação nunca se concretizou!

Há uns anos, poucos, prometemos no altar ficarmos juntos “…até que a morte nos separe.”

A morte separou-nos fisicamente, mas por outro lado, sinto-me mais perto dele como nunca, como se desde o preciso momento da sua morte, tivesse havido uma “fusão”, e o seu espírito faça agora parte do meu.

Quem morre leva um pedaço de nós, mas deixa-nos uma grande parte sua, connosco.

Desde então, passei a ter uma perspectiva diferente da eternidade!

Margot disse...

Conheci o Alface num jantar.
Pareceu-me um homem discreto.
É sempre dificil saber duma morte assim, ainda para mais quando se trata de alguém próximo.
Mas a verdade é que quem parte deixa sempre muito de si em nós. E isso é uma forma de se ser eterno, de se imortalizar.
Um abraço

Clara Pracana disse...

O brigada a todos. E é bom saber da Teresa que, sem ser "psi", nos visita neste blog. Seja bem vinda! Os os três outros visitantes que me desculpem, mas não conheço a vossa actividade. Seja ela qual for, este é um blog aberto a todos, para discutirmos, analisarmos e partilharmos aquilo que é a vida. A psicologia e a vida confundem-se, não é? Alguns de nós somos profissionais desse ofício, mas todos somos seres humanos pensantes e desejantes.

Jorge disse...

Apenas posso lamentar a sua perda.
PS: A memória mantém as pessoas vivas.
Abraço.

Ricardo Pina disse...

Um abraço sentido, Clara.

João Guerreiro disse...

Clara,
O meu pesar pela perda deste Amigo.

Clara Pracana disse...

Mais uma vez obrigada a todos. A escrita do Alface (assim se chamava ele) era cáustica e pouco dada a sentimentalismos. Receio até que ele achasse este meu post/obituário demasiado piegas. A verdade é que, infelizmente, as gentes deste nosso país continuam a reconhecer pouco o talento dos vivos, enquanto vivos. Somos mais dados a dizer bem dos mortos, que já não nos fazem sombra. Isto também tem a ver com a tal questão do ser português, da inveja, etc., que julgo mereceria continuar a ser discutida. Ah, e leiam o "Cá vai Lisboa". Foi o último livro que ele escreveu.

maria tavares disse...

O Homem é um ser que caminha para a morte. É a nossa única certeza. Heidegger

FUXIQUICES disse...

Tb eu perdi uma amiga, a minha melhor amiga. Um oceano inteiro nos separava. Vivemos quase 20 anos de aventuras. Era a minha amiga intelectual, com quem descobria musicas, musicos, filmes, livros e tantas outras coisas.
Sonhava com o dia que iria poder hospedá-la na minha casa, aqui no Porto.
Sonhava com o dia em iria ver o D'Ouro através dos seus olhos, quantas coisas cansadas de serem vistas pelos meus ficam novas e lindas pelos dela.
Ela era a amiga dos artistas, tinha imensas fotos com eles! Era a professora fixe, amada pelos alunos e temida pelos diretores.
Tenho a certeza de que os Deuses fcaram com inveja de uma pessoa tão maravilhosa habitar o nosso mundo e então resolvderam tomá-la para si.
Não fui ao seu funeral para que pudesse ter dentro do meu coração a lembrança da sua figura pequenina, nos meus ouvidos a som da sua sonora gargalhada, nos meus olhos a imagem do seu grande sorriso e no meu coração o carinho enorme que sempre tive por ela, a minha pequenina grande amiga.
Deixo aqui esta cartase :) o seu post despetou em mim esta torrente de palavras contidas há mais de 3 anos.
Obrigada
Beijinhos