quarta-feira, fevereiro 28, 2007

O “Peso” da Teoria na Formação do Psicanalista


À margem do último “Curso Pós-Graduado de Actualização da Faculdade de Medicina de Lisboa”, registei a forma icónica como a Professora Luísa Vicente abordou uma discussão que, desde Freud, não tem gerado grandes consensos. Enquanto apresentava o ilustre psicanalista italiano Antonino Ferro, falava do “peso” que o psicanalista deverá atribuir à teoria ao longo do seu percurso de formação e, mais tarde, ao Processo psicanalítico cuja condução estivesse a seu cargo. Disse que, como o viajante, também o psicanalista não deve partir, sentindo nas costas o peso da teoria (lembrei-me a propósito da expressão inglesa: “pack light”) – seria esse o requisito que garantiria os mantimentos necessários a uma viagem anunciadamente longa. Mais! Seria a mesma “leveza” que viabilizaria a possibilidade de abandonar total ou parcialmente a bagagem, para logo dar lugar a outros apetrechos.

Coincidentemente ou não, Antonino Ferro viria no termo da sua exposição a dar mais uma achega: ao psicanalista não deverá faltar aquilo que designou por capacidade poética da mente – que, na “Bioniana” serviria de sinónimo ao conceito de “rêverie”.

Ainda no que à formação do psicanalista diz respeito, Freud como sabemos, incentivava o estudo da filosofia, história da civilização, mitologia, entre outras disciplinas.

Não será esta mais uma daquelas discussões bizantinas que a psicanálise é pródiga em fomentar?

7 comentários:

Jorge disse...

É o que parece. A própria psicanálise (teoria e prática) parece estar a desmoronar-se. Talvez isto se deva às suas falsas paredes (segundo dizem alguns).
Abraço.

Clara Pracana disse...

João, eu de pesos sei pouco, a não ser o do menino gordo que me anda a preocupar.Mas parece que o bom senso prevaleceu e, por agora, fica com a mãe. No que respeita à psicanálise, no entanto, sempre te posso ir dizendo que tenho tentado rechear a mochila com objectos essenciais. Uns mais pesados, outros mais leves. Mas aqueles que eu considero essenciais, de facto. A psicanálise tem isso de bom, é uma forma de exercício de liberdade e de responsabilidade. Tanto para o analista como para o paciente. Vou pôr em maiúsculas: LIBERDADE.

Igor Lobão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Guerreiro disse...

Olá Igor,

Queira em primeiro lugar aceitar uma palavra de agradecimento pelo seu avisado contributo acerca de um tema que objectivamente muita discussão tem levantado. Podemos efectivamente não nos filiar na mesma “escola” de pensamento, mas tenho todo o gosto em partilhar consigo que a minha prática clínica é orientada por um racional psicanalítico.

Em relação ao seu comentário, não deixa de ser curioso que a leitura que fez das minhas palavras denuncia igualmente que se trata de um assunto candente pois, mesmo para quem se julga detentor de um entendimento cristalino acerca do lugar que a teoria deve assumir no processo de formação do psicanalista, e no decurso de uma sessão de análise (como parece ser o seu caso), parece não haver abertura para uma sempre saudável discussão em torno do tema.
O meu objectivo era apresentar um conjunto de pontos de vista defendidos por pessoas que merecem o meu respeito e que, na minha opinião, não se excluem mutuamente – complementam-se. Tratava-se, como é aliás apanágio deste Blog, de levantar uma questão para ser pensada por todos. O modo como as minhas palavras foram recebidas por si, permita-me, não faz mais que validar o adágio escolástico: “Quid quid recipitur ad modus recipientis recipitur”.
Apareça mais vezes!

Ricardo Pina disse...

Dizia Kurt Lewin que «não há melhor prática do que uma boa teoria»... Contudo toda a teoria psicanalítica teve a sua nascente na prática clínica...
A lógica de uma boa preparação teórica advém da necessidade de, para intervir criticamente, possuir o conhecimento do fenómeno no qual se intervém. Nisso discordo ligeiramente de Antonino Ferro, pois considero que uma preparação teórica de qualidade deve constar do arsenal de qualquer «especialista» que arrogue esse estatuto, e o psicanalista não deixa de ser um especialista daquilo que se quiser considerar o seu objecto (o inconsciente, o Ego, etc.). Contudo, acho a distinção entre teoria e prática uma questão supérflua, uma vez que o princípio do conhecimento - de especialista - de qualquer coisa é sempre a articulação de ambas numa relação simbiótica. De facto, concordo que o principal da formação em psicanálise é a própria análise que cada analista fez (como o disse Igor Lobão), mas penso que o conhecimento nela produzido apenas lhe será útil como psicanalista se ele o souber «encaixar» na sua matriz que é a preparação teórica...
É de facto uma questão pertinente a ser colocada, João. Permita-me, contudo, uma ligeira correcção no latim: «quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur».
Cumprimentos!

Igor Lobão disse...

Com todo o respeito, caro João, deixe-me que lhe diga que não sei ao que se refere ao não existir uma abertura para o diálogo.

Agora, se viu na minha argumentação algo que seja da ordem do retirar o debate sobre a formação do psicanalista daquilo que intitulou uma "discussão bizantina", tem toda a razão.

Mas nem por isso não exclui o que o João possa ter a dizer sobre o assunto, nem tão pouco uma abertura saudável para o diálogo.

Se recebeu as minhas palavras nesse sentido, recebeu-as ao jeito do aforisma que procurou validar com o meu comentário.

Quanto ao seu convite, com certeza que aparecerei mais vezes, até porque aprecio bastante e considero muito pertinente o que algumas pessoas aqui escrevem.

Cumprimentos,

Igor

Igor Lobão disse...

Já agora, caro João, isto porque o saber não ocupa lugar e também como forma de lhe demonstrar a minha abertura a temas que me são desconhecidos, explique-me o que você quer dizer quando afirma que se orienta por um racional psicanalítico.

Gostaria de poder entender essa forma teórica pela qual você se enlaça na teoria psicanalítica, de forma a que possa enriquecer um pouco mais os meus conhecimentos e para que possa ter um diálogo mais multidisplinar consigo. Aliás porque, perdoe a minha ignorância, é uma abordagem da psicanálise que para mim é inédita, e como tal teria o maior prazer em saber um pouco mais o que essas palavras querem dizer, isto é, se para si não for motivo de incómodo.

Se não quiser dar a resposta aqui, por considerar que é um tema teórica que não concerne à temática dos blogs, peço-lhe para fazê-lo para o meu email.

Obrigado,

Igor