quarta-feira, fevereiro 14, 2007

O Casamento tal como é e tal como poderia ser


Gulotta, psicólogo e advogado de direito penal e criminologia classifica os vários tipos de casamento, tarefa nada fácil pois existem tantas categorias como casais.

O autor inicia a classificação tendo em conta a história do casal, que consiste em assinalar o casamento com as letras A,H,O,S,V,X,Y e I.
O casamento A é o que se iniciou com alguma distância entre os cônjuges porque, por exemplo, foi motivado pelo interesse ou imposto pelas famílias. Pouco a pouco levou a uma aproximação entre marido e mulher pela formação de um vínculo comum, como um filho, trabalharem juntos, fazerem um desporto a dois, etc. No casamento H, a situação inicial é como a do casamento A, mas o vínculo comum não resultou numa aproximação, as suas vidas permanecem paralelas, mesmo com o nascimento dos filhos.
No casamento O marido e a mulher “correm” atrás um do outro, girando num vazio, sem nunca se encontrarem. No casamento S, o casal procura uma boa adaptação mas raramente conseguem melhorar a sua situação inicial. O casamento V é aquele que se inicia feliz mas vai sempre piorando. No casamento Y o início satisfatório dura mais tempo do que o V mas a união termina da mesma forma. Estas últimas duas categorias de casamento testemunham que o amor só é eterno enquanto dura. O casamento X corresponde ao A mas, depois de um período de acordo, cada um dos elementos do casal segue o seu caminho.
No casamento I tudo vai bem do princípio ao fim.

Um outro tipo de classificação, considera a estabilidade da relação e o facto de os cônjuges a considerarem como mais ou menos satisfatórias.
A pior das combinações é a do casamento estável-insatisfatório: estando insatisfeitos, mantêm estável esse nível de insatisfação, que o autor classifica como “prisão matrimonial”, em que podem trocar declarações de amor dissimulando uma profunda hostilidade. Na prática, não podem nem permanecer juntos, nem separarem-se. Raramente discutem e sentem-se fechados numa gaiola, utilizando-se reciprocamente para se manterem à distância. As mensagens entre eles são geralmente mal transmitidas e mal recebidas, não existindo esforço de esclarecimento recíproco. Só excepcionalmente recorrem ao psicoterapeuta uma vez que, “aos seus olhos”, os seus problemas permanecem sem gravidade.
O casamento instável-insatisfatório agrupa a maior parte dos clientes dos advogados ligados a divórcios e dos psicólogos. A história destes casais termina, regra geral, em separação e divórcio. Reconhecem o insucesso da sua relação mas não fazem nada para a mudar, acusam-se de forma contínua, desencadeando hostilidade recíproca, que serve para deslocar o conflito. Neste tipo de união, o conflito não aparece à primeira vista, por vezes encontra-se mascarado, e as expressões de agressividade subjacente manifestam-se no sarcasmo, na frigidez, na impotência, no alcoolismo… Neste casos, o elemento do casal que é objecto da hostilidade, apesar de compreender que os sintomas são manifestação de insatisfação, envia o “doente” em questão para o médico, psiquiatra ou psicólogo. O que, frequentemente, concede unidade a estes casais é o desejo infantil de resgatar num futuro próximo as frustrações do passado, que ao longo do tempo, conduz apenas a um aumento de insatisfação.
A união instável-satisfatória é a que se encontra, frequentemente, em casais unidos há mais de dez anos, e que, de acordo com o autor, é pouco conhecida visto que estes casais, pela natureza da sua relação, dificilmente recorrem a especialistas para resolver os seus problemas. A instabilidade revela-se em disputas frequentes a propósito tanto de questões insignificantes como de maior importância. A satisfação manifesta-se no facto de, para além da agressividade nas disputas, cada cônjuge não ser adversário do outro, mas sim um aliado, um companheiro de experiências, aceitando os altos e baixos do casamento. A instabilidade pode surgir da necessidade de apaziguar a incerteza afectiva, de um ou de ambos os cônjuges, ao sentimento de segurança que a relação cria para um ou para os dois.
A última classificação, a mais perfeita e, por isso, raramente atingida, é a união estável-satisfatória. Encontra-se em casamentos de longa data, e raramente em casais em que ainda partilhem a responsabilidade da educação dos seus filhos. Estes casais alcançam uma relação que exclui a mínima competitividade, as mensagens são claras, congruentes e compreendidas conduzindo a uma colaboração recíproca. Quando discordam, aceitam a diferença como um dado humano inevitável, do qual se pode extrair um ensinamento, e não como uma prova de hostilidade, o que lhes permite tomarem decisões comuns, reservando parte de autonomia pessoal. Discutem e mostram-se agressivos mas nunca ultrapassam o limiar da vulnerabilidade do outro. Nesta união a sua relação é vivida como puramente voluntária: estão juntos porque assim o desejam.

Penso que estas classificações, como quase todas, nos limitam e nos levam a grandes discussões, mas também promovem ensinamentos e reflexões pois a possibilidade de não estarmos de acordo é elevada. Deixo aqui o desafio aos leitores que poderão descobrir em que categoria se encontram os vossos casamentos de acordo com o autor, a reflectirem e a darem a vossa opinião sobre esta classificação.

4 comentários:

Pedro Correia Santos disse...

Olá Marta!

Eu gostaria de ter uma relação estável-satisfatória... no entanto, até agora acho que já passei um pouco por todas as outras.

A mutabilidade das relações também deve ser considerada, afinal de contas nós também mudamos e será de esperar que os nossos modos de relacionamento também mudem!

Mas isto sou eu, que penso sempre que as pessoas podem mudar o seu modo de funcionamento.

Miguel Fabiana disse...

O Casamento é um exercicio de evolução/mutabilidade per se e claramente um dos maiores desafios que qualquer ser humano pode empreender. Partilhar uma vida ou parte dela com alguém, pode ser visto como uma forma coerente de expressar a nossa Liberdade - o desafio está em conseguir manter a coerencia e a Liberdade, sem nenhuma delas intereferir na outra. A originalidade é muito dificil de ser conseguida e apenas está ao alcance de alguns eleitos. Sobre este "Post" proponho a leitura e reflexão sobre um texto de Fernando Pessoa: A Coerência
«Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. Talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica.
Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentada sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo própria. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje já não é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
A coerência, a convicção, a certeza, são, além disso, demonstrações evidentes – quantas vezes escusadas – de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.
Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certezas várias no mesmo dia. Deve ter, não crenças religiosas, opiniões políticas, predilecções literárias, mas sensações religiosas, impressões políticas, impulsos de admiração literária.[…] O homem disciplinado e culto faz da sua sensibilidade e da sua inteligência espelhos do ambiente transitório: é republicano de manhã e monárquico ao crepúsculo; ateu sob um sol descoberto e católico ultramontano a certas horas de sombra e de silêncio; […]
Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre coerentes. A política e a religião gastam dessa lenha e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida. […] »
Fernando Pessoa
O Jornal, Lisboa, 5 de Abril de 1915

Marta Schiappa Pietra disse...

Olá Pedro e Miguel!
Agradeço os comentários e concordo com a mutabilidade das relações, crescemos ao longo dos relacionamentos o que leva, inevitavelmente, a uma mudança de nós próprios e de nós na relação com os outros, talvez por isso teremos passado um pouco por todas as classificações como refere o Pedro. O complicado está na rigidificação de um padrão de relacionamento! Em relação à coerência de que nos fala Fernando Pessoa, na minha opinião e embora admire o poeta, parece-me que a confunde com arrogância e intransigência e com a dificuldade de alguns em aceitar as diferenças de opiniões,cortando a liberdade de escolha. Penso que a coerência é saudável ao Eu, caso contrário, correríamos o risco de viver em constante instabilidade e, nas palavras do Miguel, "o desafio está em conseguir manter a coerência e a liberdade".

Miguel Fabiana disse...

"Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certezas várias no mesmo dia."

Com uma leitura mais atenta, é fácil perceber que o Fernando estava a ser irónico e a arrogância e a intransigência que se pode perceber, num primeiro instante, rapidamente revelam uma raivinha que ele queria dirigir a alguém, quando escreveu esse texto - afinal todos temos os nossos dias; uns melhores que outros. O Homem, graças a...à "Mae" dele... tinha os seus desequilíbrios, para deleite e prazer de quem gosta de poesia.

Eu lembrei-me deste texto do Fernando Pessoa, no seguimento da catalogaçao que foi feito aos casamentos, nomeadamente do atrevimento que é feito com o "O Casamento...tal como poderia ser" que aparece no titulo deste post. o Casamento, à semelhança de MUITAS outras coisas, "foi" e "é", ou "podia ter sido, mas nao foi", mas... "poderia ser"!?!...só falta invocar, a seguir, os signos do horóscopo: tipo "Ela Escorpiao e Ele Capricornio"! É ler o Manuel Damásio e necessáriamente começar pelo "Erro de Descartes"(sem desistencias a meio, já agora). Reafirmo: Liberdade e Amor, para se poder encontrar a felicidade! Liberdade sem Amor é uma inutilidade ou desperdicio de "recursos" e Amor sem Liberdade é ...um engano auto-infligido!
Uma "união estável-satisfatória" deve dar bocejos terriveis, quer ao capricorniano quer à escorpia!
Nao sei se é do Miguel Esteves Cardoso, mas subscrevo: "Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática." e agora ele devia acrescentar "na procura da mais perfeita e, por isso, raramente atingida, união estável-satisfatória".
Relevo, desse texto pretensamente do MEC: "O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade". Completamente levado pela paixao a essa verdade que é o Amor, o MEC continua:"O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A"vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária.

A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.

Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém.

Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder."

Relembro: Se partilhar uma vida ou parte dela com alguém, pode ser visto como uma forma coerente de expressar a nossa Liberdade entao o desafio está em conseguir manter a coerencia e a Liberdade, sem nenhuma delas intereferir na outra - sem necessariamente correr atrás de uma relaçao estável-satisfatória (aliás, demasiado idealizada, também, pelo senhor jurista Gulotta).

Já agora... casem por Amor e com quem Amam e nao procurem um/uma "companheiro/a de vida", nao trespassem o Amor ao pessoal da pantufa e da serenidade. Em vez de "Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje." do MEC, escreveria: Nunca vi Casais tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.

Quem foi que disse que "o equilibrio é o desequilibrio moderado" ?