domingo, novembro 12, 2006

Psicoterapia Existencial

A psicoterapia existencial não se baseia numa teoria do aparelho psíquico ou da personalidade. Fundamenta-se na filosofia da existência e tem como método de investigação a fenomenologia. Tem como objectivo a análise da existência e o seu objecto de estudo é o ser-no-mundo.

Não há uma única e unificada perspectiva da psicoterapia existencial. Tal como não há um entendimento uno da psicanálise, como diria o Prof. António Coimbra de Matos, existem sim, um conjunto de investigações psicanalíticas. O mesmo acontece com a psicoterapia existencial. As contribuições da fenomenologia de Edmund Husserl e da filosofia da existência, onde se incluem autores como, Sören Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, influenciaram decisivamente a cultura contemporânea, as ciências sociais e humanas, em particular, a psicologia e a psicoterapia. Nesta última, deram origem as diferentes sensibilidades terapêuticas, inicialmente desenvolvidas por Ludwing Binswanger e Medard Boss, posteriormente diversificadas em diferentes escolas terapêuticas, de que são exemplo a Daseinsanálise, a Escola Humanista-Existencial Norte-Americana, a Psicoterapia Existencial desenvolvida por Ronald Laing e, mais recentemente, a Escola Britânica de Análise Existencial.

Importa sublinhar igualmente, todo um corpo teórico e de investigação que tem vindo a ser desenvolvido a nível internacional, desde o início do século XX, pela psicologia fenomenológica, criando assim um espaço epistemológico fundamental entre filosofia, psicologia e psicoterapia.

Propomo-nos apresentar, muito sucintamente, aqueles que nos parecem ser os princípios unificadores da psicoterapia existencial, se quisermos, pressupostos epistemológicos que terão, naturalmente, implicações na intervenção terapêutica.

Espaço Inter-relacional

As relações que a pessoa estabelece reflectem e expressam a forma única e particular que cada um de nós tem de ex-sistir no mundo. Só é possível fazer sentido da vivência humana no e pelo seu contexto relacional. Esta perspectiva coloca ênfase numa visão inter-psíquica do homem em contraponto a um olhar intra-psíquico.

Intencionalidade

O que define um acto de consciência? A fenomenologia salienta o carácter intencional da consciência. Toda a consciência é consciência de algo. A intencionalidade salienta que os actos de consciência não existem por si mesmos, estão sempre direccionados a algo. A consciência não actua fechada sobre si mesma. A plasticidade do sentido é igualmente realçada. Sujeito e objecto, são co-constituídos, interdependentes um do outro, influenciando-se mútua e permanentemente. A interrogação da intencionalidade é sobre o sentido. Somos seres em permanente criação de sentido.

Visão do Mundo (World View)

O self é pois construído relacionalmente. A existência permanece aberta, em constante flutuação. Passamos pelas etapas de crescimento que a psicologia do desenvolvimento salienta. No entanto, vamos criando e sedimentando uma visão do mundo. Formamos significados sobre a nossa forma de estar, de como nos posicionamos em relação aos outros, como nos colocamos no espaço social. A visão do mundo – o world view é a construção psicológica incarnada que temos de nós próprios. Os nossos pressupostos têm origem na necessidade que temos de dar sentido à nossa vivência. O sentido da existência é formado pela consciência intencional, criando a nosso world view.

Angústia Existencial

A visão do mundo coabita em paradoxo. A sua plasticidade possibilita transformações. Por outro lado, constitui-se como edifício sedimentado, que permite orientar-nos e se torna, por vezes, inquestionável. São regras adquiridas. Formam a nossa identidade, os nossos limites e horizontes de acção. Se todo o sentido da nossa vivência é construído no espaço inter-relacional, então, este não depende apenas de mim, precisamente, é sempre co-constituído com um Outro. Experiencia-se, neste sentido, o abismo de uma incerteza que nos envolve. A noção de conflito é importante nesta perspectiva, conflito provocado pela própria responsabilidade da liberdade que nos assiste, ao ter de escolher a nossa existência, sempre em contexto de uma facticidade própria e singular.

Psicoterapia Existencial

O psicoterapeuta existencial irá procurar mapear a tensões existenciais que as pessoas vivem. Os dados da existência, i.e., as noções de angústia, sentido ou falta de significado, responsabilidade e liberdade de escolha, do limite temporal da nossa existência, da autenticidade ou inautenticidade perante si e os outros, a solidão que pode ser experienciada ainda que vivenciada num mundo relacional, a consciência de temporalidade, de espacialidade e corporalidade, bem como forma como vivemos o sonho, o devaneio, são aspectos cruciais para se promover uma análise do pro-jecto existencial.

O objectivo do psicoterapeuta é estabelecer uma relação de confiança, promovendo um espaço seguro e adequado para se realizar uma investigação, uma exploração da maneira como a pessoa está no mundo. Clarificar e descrever, em primeiro lugar, o modo como a pessoa é em e na relação. A preocupação central, deste modo, não é o alívio do sintoma, alterar esquemas cognitivos ou provocar a mudança. Estes poderão ocorrer, provavelmente a próprias pessoas que procuram uma psicoterapia assim o desejem, no entanto, a ênfase teórico-prática desta abordagem não passa inicialmente por uma perspectiva de cura. Como se investiga o ser-no-mundo?

Serão necessários seguir alguns princípios. São princípios orientadores não deverão ser entendido como esquemas estanques ou rígidos.

O primeiro movimento do terapeuta existencial, passa por um despojamento do seu saber, acção que assenta na redução fenomenológica. Colocar, por momentos, entre parêntesis os conhecimentos teóricos, evitando a pressa de aplicar grelhas explicativas à existência singular que se apresenta perante nós. Num primeiro momento descreve-se, não se interpreta.

Paralelamente, o terapeuta tem uma postura de not-knowing, (noção inicialmente introduzida por Karl Jaspers), i.e, partirmos do princípio que não conhecemos verdadeiramente a experiência do outro e, que os nossos quadros teóricos não têm necessariamente uma explicação válida, para os fenómenos que nos surgem, tal como surgem.

Significa assim haver uma aceitação do outro tal como ele é. Manter e ficar com a experiência do outro tal como ela se nos apresenta. Parecendo um ideia óbvia, diríamos que, mais frequentemente do que por vezes nos apercebemos, o terapeuta afasta-se desse outro que o procura, refugiando-se nos seu saber teórico, espaço de aparente segurança.

Com o desenvolvimento do processo terapêutico, estabelecida uma boa aliança, o terapeuta existencial, poderá então utilizar a principal ferramenta de investigação: a relação que estabeleceu com a pessoa que o procurou. A relação terapêutica, sem caminhos previamente estabelecidos, constitui-se assim como espaço de construção entre sujeitos que se colocam numa posição propícia para perspectivar o horizonte de possibilidades do ser-aí se interpretar. Um interpretar que é feito a partir de uma co-narrativa, com uma dinâmica interna e que se projecta nesse espaço intersubjectivo relacional, como mundo outro. Um outro de si-mesmo.

O espaço terapêutico existencial, lugar de encontro entre alteridades, tem como objectivo promover o confronto com as possibilidades e as limitações de transformação pessoal e de responsabilização pela construção da existência singular de cada um de nós.

Daniel Sousa
Sociedade Portuguesa Psicoterapia Existencial
Psicoterapeuta Existencial (Society For Existential Analysis, London e UKCP - United Kingdom Council for Psychotherapy, London)

12 comentários:

Anónimo disse...

Excelente material sobre terapia existencial. Parabéns...

Unknown disse...

Ótimo artigo, Daniel! Muitas vezes a psicologia existencial torna-se difícil de ser compreendida por leigos que buscam ajuda terapêutica, e artigos como este ajudam a desmitificar esta área e ajudam a torná-la uma opção.

Sou psicólogo no Brasil, e também adoto a Existencial. ;)

Unknown disse...

Daniel,

Estou procurando formação em existencial aqui no RJ. Você alguma escola interessante para indicar?
Obrigada!

Viviane
vibz@ig.com.br

Essência e Palavras disse...

Muito bom seu artigo Daniel.
Otimo espaço de conhecimento.


Gostei e tornei-me seguidora.


Beejo

Anónimo disse...

I want not concur on it. I regard as warm-hearted post. Particularly the designation attracted me to review the sound story.

Anónimo disse...

Amiable post and this enter helped me alot in my college assignement. Thank you for your information.

Anónimo disse...

Obrigado pelo seu cuidado em falar sobre existencialismo .
Atendo depedentes quimicos com esta abordagem. Tem sido muito eficaz com prognosticos favoraveis a abstinencia . se tornam mais responsaveis com o aumento da autonomia que o existencialismo propoe. Abraco a todos
Wilson silva
Clinica Orion

Unknown disse...

Tenho 45 anos e estou em pleno tratamento utilizando esta abordagem. Sofria muito com a depressão, roía unhas (há 40 anos). Estou me sentindo muito melhor e aprendendo a me entender. Graças a Deus, ainda em tempo.

Anónimo disse...

Blogger DEBORINHA disse...
Tenho 45 anos e estou em pleno tratamento utilizando esta abordagem. Sofria muito com a depressão, roía unhas (há 40 anos).

6:49 da tarde

antigamente me forçavam a ir pra essa merda de psicoterapia e eu odiava..hoje em dia tenho saudade da psicoterapeuta por que naquela época precisava mais era de um psiquiatra e de ansiolíticos mesmo, mas hoje em dia só isso já não dá mais conta; aliás nem sei por que estou falando isso com vc´s estranhos desse blog tosco, mas já que já digitei vou postar no botão laranjinha

Anónimo disse...

mas o pior mesmo foi uma vez que me mandaram pra uma psicóloga antes mesmo de precisar oficialmente de ansiolíticos e daí a maluca mandou eu desenhar num papél e como gostava de skylines na época eu desenhei um cheio de bandeiras e tal daí ela viu uma palavra escrita numa bandeira e perguntou o que eu queria "refutar" com aquele termo..aquelas teorias psicológicas toscas..aquilo era um desenho figurativo mas ela interpretou como se fosse uma externalização do meu subconsciente..cara, foi patético

Anónimo disse...

outra vez fui num psiquiatra famoso num raio de dezenas e dezenas de km´s daí ele disse que eu tinha psicose só por que eu estava a olhar as coisas do escritório dele..sério, isso é mesmo um diagnóstico?..não nego que sem o remédio até posso ter tendência a ver vultos e tal, por que mesmo os sentidos ficam embaçados em certos transtornos de ansiedade que agem nos mecanismos mais básicos do cérebro, mas daí a dizer que se vc olha para coisas do meu escritório vc é um psicótico já é demais..

Anónimo disse...


Srs:. Psicoterapeutas


OI...desejo fazer um comentário - mas sem a minha Identificação:

Conheço um cara que fez Terapia numa Faculdade particular conceituada com um aluno que segue a linha W.REICH. Seguiu depois para o consultório dele... e acabou abandonando. Ligou pra Universidade e participou o ocorrido ao Chefe do Administrativo.
Certo tempo depois ele tem notado que há meses o estão seguindo nas
ruas/bairros de um Modo Relacionado com uma das suas QUEIXAS (mulher/namorada/candidatas). e uns "enfermeiros" também! Está Irritado!
Disse-me que em teste na Internet o resultado fundamental deu Existencialismo?
Podem opinar?!

Mto grato, AB