segunda-feira, outubro 30, 2006

Medição nas Passerelles - discriminação ou um bem comum?

A propósito do post do Pedro, e motivada por um amigo que me deu a conhecer a situação e me incitou a escrever sobre a polémica que se gerou à volta da Pasarela Cibele, um evento de moda que decorre em Madrid, aqui fica este post. Este evento tem edição bianual e na edição de Setembro deste ano novas regras eclodiram; a necessidade de medição do IMC - índice de massa corporal, como forma de selecção. Quem não obteve um IMC de 18 foi rejeitada. Esta medida foi aplaudida por muitos - mais a classe médica, e criticada por muitos outros. Logo outros países quiseram seguir os espanhóis, e em Londres, chegou uma carta aberta dos médicos reinvidicando a implementação das mesmas medidas.
Também os especialistas portugueses aplaudiram a medida pensando ser esta uma ajuda às jovens que sofrem de disturbios alimentares.

E porque se implementou esta medida, e porquê o IMC 18? Quais as motivações?

Em primeiro lugar porque na Europa o IMC considerado normal situa-se entre os 20 e os 23. A partir de 25 é excesso de peso, mais de 30 é obesidade. Abaixo dos 16 revela algum risco de vida. Desta forma, percebe-se o porquê dos 18.

O porquê desta medida e quais as motivações, parece-me que se prende com o facto do aumento das perturbações alimentares nas adolescentes, e pela sua dificuldade em "identificar as armadilhas do consumo" como nos diz o Pedro. Em Portugal estima-se que uma em cada 250 raparigas entre os 10 e os 17 anos sejam vítimas dos ideais de beleza e pretendam adquirir um "corpo naturalmente esbelto como o de uma gazela" - Cathy Gould, Elite.

Os traços de personalidade dos adolescentes contribuem para o despoletar da doença, assim como a diminuição da ingestão de alimento, que leva ao aumento da hormona Cortisol que, por sua vez conduz ao aumento do stress e da depressão. Depressão essa que está sempre associada, umas vezes mais mascarada, outras vezes mais à superfície. Nesta doença existe um forte desfasamento entre o desenvolvimento intelectual e emocional, com investimento muito grande a nível intelectual.

Estas jovens mantêm grandes fantasias à volta do corpo e da comida, numa forte clivagem com a realidade, utilizando a negação como o mecanismo de defesa primordial.
Para elas a única coisa que faz sentido na vida é controlar a fome, ocupando desta forma, a vida psíquica com comida e valores calóricos.

Há uma relação patológica com o corpo, um processo psicológico muito complexo que se reflecte na imagem, uma vida afectiva extremamente pobre, fazendo com que apenas se sintam fortes ao negarem a comida, aliás a única coisa que controlam.

Este tipo de perturbação segue um padrão normal, mas a patologia associada é variada, enquadrando-se sempre com a história pessoal. Por isso é que se requer sempre uma intervenção muitidisciplinar, pois não interessa apenas controlar o peso e readquirir um IMC normal, mas igualmente um acompanhamento psicológico prolongado, como forma de diminuir o sofrimento destas adolescentes e permitir que não hajam recaídas, quando já estão em recuperação e com um peso normal.

Mas nesta fase existe novamente um controlo apertado do IMC, isto porque o desenvolvimento da doença pode levar a que uma anoréctica se transforme em bulímica e em casos extremos em obesa. Não será este o antagonismo da doença, os limites a que somos alvo, as imposições a que estamos sujeitos?
Não terão sido estas as motivações para a implementação de uma medida restritiva e discriminatória nas passerelles espanholas, ou por outro lado uma medida inteligente aludindo ao facto de que comportamento gera comportamento, e mais uma vez referindo o post do Pedro, uma mudança de comportamento...

1 comentário:

Tania Paias disse...

Olá Nelson

Cá esperava o comentário. De facto, existem muito lobies à volta de todas estas medidas, isso não duvido. É sabido que todas as indústrias pretendem facturar e andar nas luzes da ribalta, e provavelmente esta foi mais uma destas manobras. Mas se atendermos ao facto de que esta problemática está bem patente neste meio, e que o ideal de beleza é passado para as jovens através dos modelos que o preconizam, até me faz algum sentido.
Se atendermos à etiologia da palavra chegamos ao conceito de que se fala, pois um modelo é algo que se imita, que promove quer bijuteria, roupa, mas não estará também a promover um padrão corporal?
Quanto ao IMC - índice de massa corporal, este mede a relação entre o peso e altura (peso em Kg, dividido pelo quadrado da altura, em metros) e foi recomendado pela OMS o seu uso para avaliar o perfil antropométrico-nutricional, definindo esta, que um valor inferior a 18 significa baixo peso (subnutrição).
A questão de uma pessoa com um índice inferior a 18 poder ou não ser saudável, é um pouco ambígua, uma vez que sempre que incorremos num limiar baixo existe um maior risco de desenvolvimento de doenças relacionadas com uma inadequação nutricional.
Agora que este é apenas um dos exemplos de controlo apertado da ingestão calórica, de facto é, e como muito bem referido, os atletas de alta competição estão sujeitos a medições constantes, nomeadamente as bailarinas, cujo peso se quer baixo. É por isso que existe uma forte associação desta profissão com a anorexia.
E mais casos teríamos certamente como referência, mas o importante é não descurar o impacto desta doença na vida das adolescentes e a forma como a sua relação com o corpo é vivida, implicando um risco mental extremamente elevado.
Até breve Nelson